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Debate com Orlando Castro, sobre "Cabinda e Angola e Província ou Colónia", no Clube Literário do Porto, em 19 de Novembro de 2011 (das 18 às 20 horas), com moderaçao do jornalista Paulo Silva e na sequência do lançamento do livro de Orlando Castro, “Cabinda – Ontem Protectorado, Hoje Colónia, Amanhã Nação”, apresentado em Gaia, em Maio de 2011.

Minhas senhoras, meus senhores, boas tardes.
Os meus iniciais cumprimentos aos meus companheiros da mesa, o jornalista Paulo Silva, e – claro o jornalista – Orlando Castro que me pôs aqui (só ele para me tirar do Sul soalheiro, embora, ultimamente com muita chuva e frio, e me chamar ao Porto). O meu cumprimento, extensivo, aos dirigentes do Clube Literário do Porto que, gentilmente, nos facultaram este Auditório. E, finalmente, o meu agradecimento pela V/ presença.
Estamos aqui, hoje para conversar – em forma de Debate – sobre a situação de Cabinda e o seu posicionamento dentro de Angola.
Há quem defenda que Cabinda é uma inequívoca província angolana. Por outro lado, há os defensores da sua existência como uma Nação subordinada, impuramente subordinada a um poder colonial de Angola e, como tal, gozando do inalienável direito de ascender à independência. Um direito negado, segundo os autores que defendem a secessão do enclave, por uns iníquos acordos celebrados entre Portugal, a, como defendem, ainda oficial potência colonizadora e os então movimentos de libertação de Angola, na localidade de Alvor, na cidade portuguesa de Portimão: reconhecidos pel’ os Acordos de Alvor.
Evocam como fonte primária para alicerçar a sua pretensão a existência de um celebrado dito Tratado entre Portugal e dignitários de Cabinda, reconhecido por Tratado de Simulambuco, assinado entre um oficial da marinha portuguesa que se arrogava ir a mando e autorizado pelo rei português Luís I, Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal, o capitão-tenente Guilherme Augusto de Brito Capello, comandante da fragata Rainha de Portugal, e príncipes, régulos e governadores locais representando o Reino de N’Goyo (da tribo Woyo, antiga suserada do reino do Congo) em 22 de Janeiro de 1885.
O então Tratado (somente por razões históricas, que não políticas ou legais, como adiante tentarei explicar, vou continuar a dizer Tratado) foi rubricado porque Portugal temia perder alguns dos seus territórios africanos devido à partilha de África, ocorrida com Conferência de Berlim de 1884/85 que, entre outros itens, exigia “a liberdade de comércio na bacia do Congo e seus afluentes”; “neutralidade dos territórios da bacia do Congo”; e “livre navegação no Congo e Níger”. A assinatura em Simulambuco foi a resposta portuguesa a todo o postulado da conferência.
Quando foi celebrado o “dito” Tratado, ficou consagrado que todo o território do reino N’Goyo – ficava compreendido entre o Rio Congo e uma parte do sul da actual República do Congo (então Congo francês), ou seja até ao paralelo 5º Sul (ligeiramente a sul, do rio Loémé, perto de Ponta Negra, República do Congo) – ficaria sob a protecção do reino lusitano, conforme determinava os onze articulados do documento. Não farei referência a cada um dos artigos do documento porque, creio, é do conhecimento de todos os presentes e pode ser consultado nos meios electrónicos. Todavia, ressalvo dois artigos que são importantes e, por causa deles, há a actual polémica.
No art.º 3º Portugal comprometia-se a manter a integridade dos territórios colocados sob seu protectorado. Como adiante veremos, isso não foi verdade.
No art.º 9º o Estado português comprometia-se a respeitar e fazer respeitar os usos e costumes do povo de Cabinda. Faz o que digo não faças o que eu faço, esta foi sempre um dos pilares da política portuguesa e por isso nos encontramos aqui, hoje, a debater o porquê de Cabinda ser ou não autonómico.
Minhas senhoras e meus senhores, ilustres convidados,
Se me permitem faria aqui um parêntese para questionar a leitura do documento – e a partir deste momento tratarei o aludido como Documento – assinado no local de Simulambuco, hoje integrado na cidade de Cabinda, apresentado como Tratado.
Dizem os canhamos da Ciência Política que Tratados são actos internacionais, através de acordos formais e escritos celebrados entre Estados e/ou organizações internacionais, que buscam produzir efeitos numa ordem jurídica de direito internacional. Sendo acordos, pressupõem manifestação de vontade bilateral ou multilateral.
Mas a Ciência Política também se refere que os actos internacionais além de Tratados podem conferir também, Acordos, Convenções ou simples Actos internacionais diversos entre pessoas ou contratantes com cariz jurídico-institucional semelhante a Estados.
E, segundo as normas internacionais só aos sujeitos de direito internacional se reconhece o direito a celebrar e assinar Acordos e Tratados conforme o direito convencional ou treaty-making power. Ou seja, apenas os Estados nacionais, as Organizações Internacionais (reconhecidas como tal), a Santa Sé – apesar de não ser um Estado como é comummente aceite para estes casos é assim reconhecido – e os beligerantes e insurgentes podem celebrá-los.
Como não estive presente e não conheço – se existir agradeço que me façam, mais tarde chegar às minhas mãos – a existência formal de um qualquer documento legal assinado pela Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal, a autorizar o comandante da “Rainha de Portugal” a celebrar qualquer tipo de contracto em seu nome com qualquer entidade – recordemos que, então, apesar dos navios representarem o Estado sob quem arvoravam o pavilhão, só depois de ratificado pelo Chefe de Estado e/ou ratificado nas Cortes/Parlamento um documento revertia em Tratado – nem, tão-pouco, os príncipes e régulos estavam mandatados pela rainha de N’Goyo ou que esta, bem assim, o Kibanda do Reino tenham ratificado o documento assinado em Simulambuco; todos os actos deviam ser sancionados por estas duas entidades e que, tal como creio, ainda hoje persiste; ressalvando, que a rainha é sempre uma descendente directa do Rei do Congo.
Acresce que, dizem as “boas línguas” que quando foi assinado o documento os representantes cabindenses estariam sob efeitos de álcool gentilmente fornecido na véspera e em barda pelos oficiais do navio português como um acto de boa vontade da Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal, representado pelo capitão-tenente Brito Cappelo. Reconheço que não há documentos fidedignos que comprovem esta acção lusa mas tão-somente alguns escritos nesse sentido. Por isso não podemos afirmar que tal aconteceu. Mas…, mas…
Por outro lado um Tratado só diz respeito às partes contratantes e deve ser ratificado e promulgado. Honestamente, não vi até hoje nenhum documento que confirme quer a ratificação, quer a promulgação (nesta caso, não me recordo se a Constituição de altura o previa). Actualmente os Tratados devem ser registados nas Nações Unidas para terem suporte jurídico desta Organização supranacional, em casos de litígio.
Sobre os Acordos há quem considere que são actos internacionais com a mesma relevância de um Tratado, embora menor impacto político. Outros hão, no entanto, que admitem que os acordos podem ser assinados por países, organizações e outros, que não entidades soberanas, quando estão em causa interesses absolutos.
Meus senhores, minhas senhoras, voltemos ao assunto em causa, o Tratado de Simulambuco.
Como vimos um dos artigos do Documento dizia que Portugal respeitaria e faria respeitar a integridade do território. Ora por um acordo celebrado entre Portugal (por lapso, com portugueses parece haver sempre lapsos, esqueceram-se de chamar os cabindenses) e Bélgica, e assinado em Bruxelas em 5 de Julho de 1913, a região de Cabinda tornou-se num enclave. Recordemos que o rei belga, Leopoldo II, precisava de estender o seu Estado Livre do Congo até ao mar porque carecia de uma saída portuária para expandir economicamente as suas actividades já de si muito criticadas internacionalmente devido aos morticínios que ali se praticavam em nome da exploração de coleta de borracha e que foi denunciada por um relatório de 1904, escrito pelo então cônsul britânico Roger Casement. Este relatório levou a prisão e punição de oficiais belgas que tinham sido responsáveis, no ano anterior, de matanças a sangue frio (nestas punições estava incluído um indivíduo belga que teria morto a tiros pelo menos 122 congoleses).
Refresquemos, Portugal tinha assinado um documento em que afirmava que, e passo a citar, “respeitaria e faria respeitar a integridade do território”. Depois disto, não há dúvidas que os direitos cabindenses começavam a estar bem salvaguardados…
Passava o território de Cabinda a ser um enclave sob protecção lusa na Costa Ocidental Africana. Desculpem, eu disse “um enclave sob protecção lusa?”. Peço desculpa, enganei-me. É que me esqueci que devido à Questão do Ambriz, primeiro, e à Questão do Zaire, Portugal já tinha apresentado perante a concorrência mundial, de altura, nomeadamente, e principalmente por causa dos britânicos – com aliados destes ninguém precisa de inimigos – que negociavam (impunham) com Portugal a delimitação dos seus territórios entre o já citado paralelo 5º e o 8º Sul, ou seja, até um pouco a sul de Ambriz e, note-se (registe-se) os territórios de Angola. Tudo por causa do mercado de escravos que os britânicos tinham abolido em todo o seu império, oficialmente em 1834, mas que permitiam e protegiam que os seus negreiros persistissem nos territórios de terceiros ou não efectivamente ocupados, como seria no caso dos territórios portugueses.
Bom, mas se bem nos recordamos Cabinda não era um território português mas sob protecção do soberano português. Logo não era um território com efectiva ocupação perante a feroz concorrência e que se viria a desenvolver ainda mais com a presença na região de um tal conde Sarvognan de Brazza, um italiano nacionalizado francês que desenvolvia movimentações políticas e sociais na região a favor da França e punha em causa a presença portuguesa e o comércio negreiro britânico. Esta preocupante movimentação francesa permitiu a Portugal manter os territórios a sul do paralelo 5º 12’ até 8º Sul. Ou seja, Portugal via resolvido duas questões a do Ambriz, primeiro, e, mais tarde, a do Zaire que definiu, em definitivo a fronteira internacional na embocadura da foz do rio Congo (ou Zaire). E, se me permitem, e porque não me parece que seja relevante para este Debate, prescindiria de continuar a abordar estas duas Questões, apesar da sua importância na delimitação das fronteiras angolanas. Todavia, para quem estiver interessado em saber mais sobre isto, proponho-vos a leitura do livro “Os caminhos históricos das fronteiras de Angola” de Joaquim Dias Marques de Oliveira, edição CefoLex.
Minhas senhoras, meus senhores, caros convidados,
Voltemos ao âmago do Debate. Cabinda é parte integrante no todo de Angola ou deve ser um enclave independentível?
Uns, – aqui o Orlando Castro é um dos seus indefectíveis defensores –, que se suportam no documento assinado em Simulambuco e denominado Tratado, acham que sim. Que por decisão das Nações Unidas é um território autonomizável. Outros, como eu, por exemplo, consideramos que Cabinda é uma das 18 províncias de Angola!
Quais são os diferentes suportes que apoiam estas duas antagónicas posições?
Quanto aos que defendem a secessão e independência do Enclave de Cabinda, aqui representados pelo Orlando Castro, deixo a ele essa missão de defesa. Por certo que serão bem representados.
Para os outros os que, como eu, defendem a manutenção de Cabinda em Angola, deixo-vos a minha opinião.
Como de início já vos tentei mostrar – procurando não vos deixar adormecer – o documento assinado em 1885 em Simulambuco não pode nem deve ser considerado um Tratado mas um acordo entre uma parte, dita soberana, e personalidades territoriais que se representavam e, crê-se – os interesses que estavam em jogo assim o convinham –, representavam, também, um reino.
É certo que a Constituição portuguesa de 1933, como sublinha OC no seu livro “Cabinda, ontem Protectorado, hoje Colónia, amanhã Nação”, página 16, declarava que o império português ia do Minho a Timor e incorporava, entre outros, os territórios de Cabinda e de Angola. Tal como o Acto Colonial entretanto rubricado.
Também é certo que a ONU e o seu Comissão de Descolonização encaravam e exigiam a independência de todos os territórios ultramarinos portugueses onde se incluíam, explícita e claramente, os territórios de Cabinda e de Angola – e, já agora os da Índia e de São João Baptista de Ajudá (incorporada na actual República do Benin).
O que alterou, entretanto, entre 1933 e 1974, data da chamada revolução dos Cravos?
Muito simples. Na década de 60 do século passado – parece que já começo a estar velho –, começaram as guerras de libertação para a independência de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
Surgiam novos Estados em África e com eles criava-se a OUA – Organização para a Unidade Africana – que, entre outras disposições afirmava que as fronteiras dos seus Estados-membros reportavam-se às definidas pelas potências colonizadoras e que vigoravam à data da independência.
Aqui, uma vez mais, parece haver alguma razão para os defensores da secessão do Enclave, já que a potência colonizadora dizia ter os territórios de Cabinda e de Angola.
Mas, lá vem o mas…, a mesma Comissão de Descolonização das NU que afirmava e defendia a autonomização de Angola e de Cabinda, em finais da década de 60 deixou esmorecer essa pretensão devido ao facto dos movimentos angolanos apresentarem e acolherem na OUA que Angola ia de Cabinda ao Cunene. Ou seja, Cabinda era parte integrante de Angola.
É que, entrementes, a Constituição de 1933 já tinha sido, claramente implodida com a alteração onde Marcelo Caetano impulsionou e levou à institucionalização dos Estados de Angola e de Moçambique em inícios de 1970 (creio que em 1972, mas, reconheço sem a certeza absoluta) e onde o mapa oficial surgia com Cabinda como sendo distrito do então “novo” Estado.
E foi isso que aconteceu por prevalecer em Alvor quando Portugal acordou e rubricou o Acordo que daria a independência de Angola em 11 de Novembro de 1975.
Angola era – é – de Cabinda ao Cunene e do Atlântico ao Luau (antiga Teixeira de Sousa). Assim ficou decidido, assim foi ratificado, uma vez mais, pela então OUA, e assim ficou consagrado nas Nações Unidas.
Minhas senhoras e meus senhores, caros convidados,
Perguntar-me-ão, provavelmente e com razão, se a situação de Cabinda deve manter o actual status quo e se nada há a fazer?. É claro que não.
Se defendo que Angola é um Nação una e indivisível de Cabinda ao Cunene, também sei ver que esta presente situação de contínua instabilidade e usufruo indevido e esbanjador das riquezas da província com menor refluxo para a vida política e social da província não se deve manter.
Se é certo que continuo a sustentar que Cabinda é uma província de Angola, também sei ver que a sua qualidade de Enclave merece um olhar mais agudo e uma melhor qualificação na Nação angolana. E para isso há que fazer uma alteração na nossa Constituição.
Cabinda tem que ser vista como um território autonomizável com um Estatuto especial dentro da República angolana. Como?
Isso caberão os líderes estudarem, analisarem e rubricarem.
Na minha opinião, penso que Cabinda deve ser um Estado ou uma Região Autónoma dentro da República com poderes legislativos próprios, autonomia financeira – gerindo ela mesmo os seus recursos (Angola já não depende em exclusivo do crude cabindense para se manter como um líder petrolífero; apesar de não ter dados muito actuais sei que a força do petróleo de Cabinda já só representa menos de metade da exploração nacional, ou seja menos de 7% do PIB angolano – 13,4%) – deixando a Defesa e as Relações Internacionais para o Estado Angolano.
Minhas senhoras, meus senhores, caros convidados, esta é, em síntese a minha opinião sustentada na História – talvez, aquela que mais me interesse, será essa a V/ pertinente opinião – mas também em factos e organismos oficiais como Acordos internacionais, ONU e OUA.
O certo, o certo, é que a actual situação instável de Cabinda não pode persistir e não vamos continuar a fazer de avestruz e persistir que nada se passa no interior ou que todos estão de acordo com a manutenção do status quo que só desencadeará conflitos sociais e políticos incomensuráveis.
Os nossos dirigentes (aqui incluo angolanos e cabindas) e a nossa comunicação social têm uma palavra a pronunciar. Tal como o todo o Mundo. Não basta invocar a Globalização e Humanização só para o que nos mais interessa ou para o que está mais próximo dos “nossos” interesses...
E, não esqueçamos, que Angola é uma potência emergente que deve mostrar ao Mundo que consegue viver com as diferenças. Ora se mantiver o conflito numa parte do seu território, apresentando-se como um déspota, não conseguirá fazer vingar junto dos seus parceiros e dos seu seguidores uma imagem correcta!
Obrigado!
Porto, 19/Nov./2011

 

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