Pode-se dizer que as independências dos países oceano-afro-lusófonos estão íntima e unicamente ligados a uma personalidade ou a uma organização e que estes são os pais omnipresentes e omnipotentes das mesmas. Penso que não.
Apesar da enorme legitimidade que lhes é conferida pela História não podemos, sob forma de negar esse valor a terceiros, dizer que Xanana e a Fretilin, foram os únicos pais da independência timorense; como também os não devemos afirmar que Moçambique só existe devido à Frelimo e a Mondlane, nem Angola, ao esquecer o papel de outros que não Neto e o MPLA, nem tão-pouco para a Guiné-Bissau, ao afirmar que a independência se deve unicamente a Amílcar Cabral e ao PAIGC; ou ainda a São Tomé e Príncipe ao afirmar que foi o MLSTP quem conquistou a pátria santomense. Definitivamente não a Cabo Verde.
Talvez por isso, não será de surpreender que a polémica esteja definitivamente instalada entre os primos lusófonos das duas pátrias africanas do Atlântico Norte.
De um lado os cabo-verdianos a defenderem a retirada do “C” no PAIGC guineense, do outro os guineenses, com a autoridade que lhes confere a História, a quererem manter a sigla como está e questionarem os cabo-verdianos da legitimidade para a contestação(1).
Aliados a isto temos as declarações do líder do MpD ao afirmar que Amílcar Cabral não terá sido o pai da independência cabo-verdiana(2).
De facto e de acordo com o sítio cabo-verdiano Semana Online(3), Agostinho Lopes, líder do Mpd, o maior partido da oposição, de Cabo Verde, afirmou nos EUA que era tempo de acabar com a paternidade individualizada da independência de Cabo Verde.
Segundo aquele líder(?) cabo-verdiano, numa entrevista ao programa radiofónico "Porton de Nôs Ilha", da comunidade cabo-verdiana em Brockton, MA, o reconhecido pai da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde teria sido mais um entre os inúmeros cabo-verdianos que lutaram pela Pátria crioula.
Ainda de acordo com Lopes, Cabo Verde nasceu de uma da vontade de uma única personalidade; o povo cabo-verdiano.
Para ele, Amílcar Cabral, que o historiador Basil Davison(4) terá considerado como o maior líder africano, a par de Agostinho Neto e de Nelson Mandela – num eventual ranking imaginário – teria sido um mero impulsionador na sequência de um caminho de encontrou e desbravou.
Como será evidente a comunidade crioula nos EUA, que continua a pautar pela paternidade cabralina, não ficou nada satisfeita.
Provavelmente, também os guineenses não se sentirão descansados.
E já agora, nem nós, os outros africanos, para quem Amílcar Cabral, continua a ser o grande líder que mostrou que a sã convivência entre povos era possível, apesar das diferenças políticas – consta que, quando em no final da década de 50, inícios de 60, teria vindo a Portugal propor a autonomia africana, Salazar não permitiu que a PIDE o detivesse –, nos sentimos tranquilos quando líderes partidários, com a natural apetência para o poder fazem afirmações deste quilate.
Por este andar e com afirmações destas, creio que o PAICV e o seu líder poderão reformular o mobiliário do Palácio governamental, porque tão cedo não devem sair de lá.
Mas, se as afirmações pecaram pela inoportunidade, face à polémica do “C”, também não deixa de ser verdade que é tempo dos Movimentos emancipalistas e de libertação colocarem as siglas onde deveriam estar: num qualquer Museu de História Nacional, em local nobre e resguardado de polémicas.
É tempo dos países que passaram por lutas de Libertação procurarem substituir as siglas dos Movimentos por siglas de Partidos Políticos. As guerras e as crises internas já acabaram. Há que enterrá-las definitivamente.
Tempos houve que o MPLA, adicionou, em 1977, a sigla PT(5), o MLSTP a do PSD, e penso que até a própria Frelimo chegou a fazê-lo. A política histórica aconselhou-os desprezá-las. Vejam Portugal. Fora quando as conveniências políticas internas o aconselham, alguém se lembra de chamar ao PSD, PPD, apesar do nome oficial ser PPD-PSD?. Não; são os social-democratas, nada mais.
Porque não fazermos o mesmo nos nossos países. Inicialmente, poderíamos e deveríamos clamar para a legitimidade histórica, como já ocorreu, por exemplo MLSTP/PSD. Depois seriam reconhecidos por aquilo que são. Partidos políticos virados para o engrandecimento e desenvolvimento dos nossos países. Nada mais.
A História não deve ser enterrada. Antes, preservada.
Notas:
(4) DAVISON, Basil, Os Africanos. Uma Introdução à sua História Cultural, Lisboa, Edições 70, 1981.
Publicado no "Semanário África", 2.Ago.2004
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