Eugénio Costa Almeida
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 Uma vez mais, em 24 anos, – a maioria nos últimos 6 anos –, a capital da Guiné-Bissau acordou com militares nas ruas.
 Desta feita, os sublevados (sublevação, revolta, intentona ou mero ajuste de contas) invocaram razões financeiras para levar a efeito aquilo que logo desde o início algumas pessoas que, particularmente, contactei em Bissau e em Lisboa afirmavam ser, – e que Ramos Horta, membro da CPLP, mais tarde reiterou –, um Golpe de Estado.
Segundo os sublevados a insurreição visava denunciar o não pagamento dos subsídios a que tinham direito por terem feito parte das Forças de Manutenção de Paz para a Libéria (UNOMIL) e que, ainda segundos os militares revoltosos, estaria a ser esbanjado, em proveito próprio por algumas patentes militares. Por esse facto as Instituições Nacionais estariam protegidas e nunca questionadas.
De facto parecia que as Instituições estavam a passar incólumes, não fosse o facto de duas das principais autoridades militares terem sido as primeiras vítimas da sublevação. O CEMGFA, general Veríssimo Seabra, mentor e líder do Golpe de 14 de Setembro, e Domingos Ramos, chefe dos Recursos Humanos das FA e das Informações Militares, a que se juntaram mais tarde outros militares, conforme o MNE português o confirmou na recepção aos dois representantes da CPLP, antes de partirem para Bissau.
Acresce a isto o facto dos revoltosos nunca ter escondido que procuravam os outros Chefes militares dos diferentes ramos, os quais se mantiveram a recato e bem escondidos– pelo menos enquanto este artigo estava a ser elaborado –. Paradoxalmente entre os procurados e, segundo se sabe, terá sido apanhado e por sorte não executado, estava o comandante dos militares, na Libéria, o coronel Fodé Cassamá.
Mais estranho ainda que o líder, ou pelo menos quem tem dado a cara, seja um sobrinho de Kumba Ialá, que também terá participado no Golpe contra este.
Mas porque as premissas que levaram a esta sublevação ainda não estão totalmente clarificadas várias questões ficam, ou estão, por explicar. Como por exemplo.
1. Se o motivo principal era somente um eventual desvio de fundos, porque não detiveram os prevaricadores e os apresentaram, naturalmente, à Justiça?
2. Porque é que nos primeiros momentos as ordens e contra-ordens eram constantes, dando mostras de uma desorganização militar incompreensível?
3. Como se entende que só ao fim de quase uma semana tenha ido para Bissau uma Delegação de alto nível da CPLP e que a delegação da CEDEAO tenha estado um dia no país e nem se tenha avistado com os revoltosos, prometendo, todavia, voltar mais tarde, e não haver nenhuma palavra da cúpula da União Africana?
4. Porque não se ouviram, ainda, palavras de “Nino” Vieira, Luís Cabral ou Ialá a criticarem esta revolta – qualquer um deles já passou por uma revolta e esta claramente tem cada vez mais contornos de um Coup d’ État – que degenerou em mortes e assassínios (porque de assassínios se trataram)?
Mas o mais estranho ainda é a nova exigência dos revoltosos. Parece terem esquecido o que motivou a sua revolta – e será que alguma vez o foi? – para solicitarem uma amnistia geral a todos os eventuais implicados em revoltas e golpes dos últimos 24 anos.
Note-se que já, em Dezembro de 2003, o EMGFA teria feito uma proposta no sentido de haver uma reconciliação e serem reintegrados os militares leais a “Nino” e a Mané, o que teria sido bem aceite quer pelos meandros políticos quer pela sociedade civil. Na altura só alguns militares se mostraram reticentes.
Assim até “Nino” Vieira seria um presidenciável a ter em conta. E que aconteceria com a obscura e nunca cabalmente clarificada morte de Ansumane Mané? E o país, estará em condições de ter outro período conturbado? Não creio que comunidade internacional se disponha, desta vez,  a aceitá-lo.
Pelo que voltamos ao início da questão e ao título. A quem realmente interessou e quem estará por detrás desta sublevação, revolta, intentona ou Golpe de Estado. Ou terá sido, outrossim, um mero ajuste de contas cuja extensão não fora considerada?
Publicado na revista "África Hoje", edição 194, Outubro 2004, pág. 14 “Reflexão”
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