Em Moçambique vai decorrer, amanhã, uma tripla jornada eleitoral, legislativas, presidenciais e, pela primeira vez, para deputados provinciais, naquilo a que, normalmente e com toda a clareza, se chamaria de “democracia em movimento”, salvo se não aparecerem situações anómalas que parecem poder condicionar a legitimidade moral das mesmas.
É que a comissão eleitoral local, quase totalmente – se não for totalmente – dominada pelo partido maioritário moçambicano rejeitou candidatos de um recente movimento/partido – Movimento Democrático de Moçambique (MDM), criado pelo antigo edil da Beira e ex-militante da Renamo, Daviz Simango.
E não foi o único como atestam as críticas nacionais e internacionais – mostrando que a eventual existência do mesmo pode colocar em causa a habitual bipolarização partidária moçambicana e, simultaneamente, as sucessivas maiorias absolutas qualificadas da Frelimo.
Se existe essa democraticidade como se explica que o chefe da delegação da União Africana (UA) – por acaso de um país onde a mesma também é cada vez mais questionada, apesar do petróleo que sustenta alguns países hipocritamente democratas – exija “uma campanha cívica normal, onde há respeito pela diferença e cada candidato, a sua maneira, procura obter votos, naturalmente com uns partidos com mais capacidade de transmitir o seu ponto de vista que outros”?
Isto, por norma, costuma colocar em causa os valores de democraticidade de um País ou subjaz uma crítica explícita. Ou seja, alguém parece duvidar – tal como nós – que existe efectiva liberdade política no Pais.
As dúvidas sobre a democraticidade da vida política moçambicana aparecem porque, mais de uma vintena de anos depois, a Frelimo e o seu presidente são questionados, e nada parecem ter respondido, quanto às “mortes por encomenda” de inúmeros opositores e sobre o relatório que, eventualmente, explicará as reais razões que levaram à morte do primeiro presidente do País, Samora Machel, por sinal em território estrangeiro sobre o qual recaíram, naturalmente, as mais estranhas suspeitas.
Suspeitas adensadas depois de se provar que o piloto teria sido induzido em erro ao mesmo tempo que alguns afirmam, agora, que houve uma tentativa de Golpe de Estado, porquanto se sabe que Samora queria fazer uma purga junto daqueles que abusavam da corrupção.
Expliquem onde está a democraticidade moçambicana quando se vê, e legitimamente, a Renamo questiona a Frelimo sobre as tais mortes suspeitas e nunca se questionou porquê, nem respondeu, sobre as que se verificaram entre os seus militantes e militantes de partidos contrários – creio que Dhlakama ainda mantém a sua força de protecção armada prevista nos Acordos de Santo Egídio – e porque “despachou” Daviz Simango, até às últimas eleições municipais, presidente da Cidade da Beira, pela Renamo, cargo que voltou a ganhar como independente, antes de se tornar líder da nova força concorrente, o MDM;
Clarifiquem quais os fundamentos para dizer que em Moçambique há “democracia em movimento” se os seus principais líderes, nomeadamente os inquilinos das principais habitações do poder, desculpam e aparam todos os golpes e atitudes de um dos maiores ditadores africanos, Robert Mugabe, e desprezam o que possa acontecer a um dos seus maiores parceiros políticos, no caso Eduardo dos Santos, por quem, dizem, não chorarão – nem eles, nem outros, – se “cair”.
Digam se estamos errados quando duvidamos da “bondade” política do ainda presidente Armando Guebuza – recentemente inaugurou uma ponte sobre o Zambeze com o seu nome, mostrando até onde vai o seu elevado narcisismo (nisso aprendeu com os subservientes idiotas do outro lado de África) – quando, ainda Secretário-geral do Partido Frelimo, ameaçou um jornalista que tentou entrevistá-lo para o matutino português Jornal de Notícias de que “se fosse em Moçambique eu dizia-lhe como era” porque «eu é que sei o que é importante perguntar».
Talvez por isso, e expliquem-nos se estamos errados quanto à democraticidade da vida política moçambicana, possam justificar como uma funcionária superior de uma empresa pública, recentemente galardoada com um prestigiado prémio africano, vê a sua actividade profissional ser posta em causa, e de forma nada discreta, só porque o seu namorado é um jornalista que põe a verdade acima das questões e dos interesses partidários que dominam a gestão da referida empresa.
Mas há masis quem questione a democraticidade e o movimento político democrático nas próximas eleições. Talvez seja interessante ouvir trabalho “Moçambique - Asfixia democrática, 34 anos depois da independência?” emitido recentemente pela Rádio Deutsch Wella, nomeadamente, quanto à quase evidente “freliminização” do País e a previsível implosão da Remano e dos seus parceiros políticos, mesmo tendo em conta o aparecimento do MDM a quem só lhe permitiram concorrer a 4 dos 13 círculos eleitorais.
Há, aliás, directores de órgãos de informação moçambicanos que questionam a democraticidade de Moçambique ao afirmarem que se houvesse um “processo limpo” nas eleições moçambicanas teria de haver uma segunda volta nas presidenciais. E ninguém acredita que isso irá acontecer.
Expliquem-nos como compreender a reacção do eleitorado moçambicano quanto à democraticidade do país e quanto à “democracia em movimento” se em 1995, nas primeiras eleições livres, 88% dos eleitores foram às urnas, em 1999 votaram 68% dos eleitores devidamente credenciados e em 2004, apenas 36%, ou seja, quase dois terços dos eleitores moçambicanos não exerceram o seu inalienável direito de voto, mostrando o quanto estão decepcionados com as políticas elaboradas e levadas a efeito pelos seus dirigentes políticos.
Talvez estejamos errados. E nada nos daria mais prazer do que estarmos errados e ver que Moçambique se afirmou mesmo num “Movimento em Democracia” o que faria um bem inestimável a alguns Países do cone austral de África. E nem é necessário enumerá-los…
Publicado no Noticias Lusófonas / Manchete, de 27.Out.2009