Na sua recente viagem a Moçambique o presidente português Aníbal Cavaco e Silva afirmou, no retorno com uma passagem pela África do Sul, que os portugueses tinham de olhar com outra perspectiva para o triângulo que emerge, em força, no sul do continente africano, devido à sua enorme estratégia central: ou seja, olhar para o triângulo formado por Angola, África do Sul e Moçambique; um quase completo Southern African Rainbow Triangle.
Segundo o presidente português estes três pontos triangulares suportam, estrategicamente, um dos mais populosos e poderosos grupos económicos de África: a Comunidade para o Desenvolvimento dos Estados África Meridional (SADC) com cerca de 250 milhões de pessoas prontas para suportarem um forte grupo multicultural, económico, social e política.
Nada mais verdadeiro. No entanto, há muito que fazer para sustentar não só o desenvolvimento político, económico e social da SADC como, e principalmente, escorar as periclitantes incertezas sociais dos três pilares da sub-organização económica africana.
Se a África do Sul é, claramente, a potência afirmada em África e Moçambique começa a ver a sua situação política e económica estabilizada, principalmente com o desenvolvimento mineiro e a descoberta de bons veios de gás, – já no sector social ainda há muito para fazer, como, registe-se, na áfrica do Sul – não é menos verdade que Angola caminha para esse desiderando, embora, por vezes, esquecendo que uma casa não começa pelo telhado mas pelos alicerces que são, como tudo o vem provando – basta ler a nossa comunicação social –, muito deficientes ou vacilantes.
Relembramos como a nossa população ainda aguarda pelas 1 milhão de residências que deveriam ser distribuídas pelos angolanos. Centralidades novas e bonitas já as hão. Falta é a sua distribuição por aqueles que delas necessitam…
Só que o grande e principal problema dos três pilares da SADC mais não é que um contratempo por que trespassa o continente africano. Ou seja, e na prática, os africanos têm uma inexorável sede de criação e uma enorme fome pelo futuro. Tudo porque a África que desejamos ainda não existe. Uma África que está farta se ser um subúrbio de si mesma e dos que a rodeiam.
Uma África onde a legitimidade dos princípios colige com a vontade dos que se perpectuam, ainda que, por vezes, de forma (in)discreta, no Poder, esquecendo os princípios que norteiam as relações entre aquele e os súbditos assentes sobre certos princípios e certas regras que fixam a atribuição e os limites do poder.
Recordo as palavras do revolucionário e jornalista italiano anti-fascista, Giorgio La Pira, citadas pelo Professor José Adelino Maltez sobre os diferentes valores dicotómicos entre os problemas políticos e sociais. De acordo com La Pira “os problemas políticos e sociais apresentam se colocados sobre dois planos hierarquicamente distintos: um técnico e outro meta-técnico; um político e um meta-político; um físico e outro metafísico. Existe uma técnica social e existe, anterior a ela, uma metafísica social: esta última tem como objecto, precisamente, as normas básicas que orientam a discussão e solução técnica dos problemas sociais".
Ora o contumaz problema da SADC continua a estar assente nas diferenciações sociais dos países que formam esta organização.
E Angola é um dos países onde essas distinções são por demais evidentes parecendo aquelas ainda mais persistentes quando despontam eleições ou exteriorizações sociais para exigir aberturas políticas e uma maior (re)distribuição da renda pública.
Moçambique já conseguiu afirmar-se de per si coexistindo a lusitanidade cultural à forte influência anglófona que o rodeia.
A África do Sul, um dos dois principais check-point africano, a par do Egipto (no canal de Suez), além de ser também juntamente com um dos seus íntimos peri-adversários, Nigéria (o outro e por razões mais que reconhecidas é Angola),estar integrada no grupo dos 20 países considerados como os mais desenvolvidos ou próximos desse top, o G20.
Ora este seria o restricto clube económico que Angola gostaria de integrar para cimentar a sua influência política no arco centro-meridional de África e na bacia Atlântica, nomeadamente na região que forma a ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) para ombrear quer com o seu forte vizinho do sul, quer com o Brasil e Argentina, na defesa do Atlântico Sul.
Mas se a força económica de Angola é de alguma maneira indiscutível – é o país que mais cresce na zona meridional do continente – também é indesmentível que se apresenta como um dos países com mais variações sociais e uma centralização administrativa que colide com as novas mentalidades africanas.
E isso, quer admitamos quer não, é um forte handicap para se tornar no farol que muitos almejam…
Publicado no semanário Novo Jornal, 1º Caderno, edição 236, de 27.Jul.2012, página 21