Quantas vezes não ficamos pegados aos televisores a apreciarmos, embevecidos pela sua vontade indómita de aprender e evoluir, as nossas crianças agarrados às suas ardósias ou cadernos de ocasião, nas escolas de céu-aberto soba as protectoras copas de mulembeiras ou sob os braços fortes e carinhosos de um qualquer imbondeiro.
E quantas vezes pensamos e clamamos como é possível que no nosso país ainda perdurem escolas destas e as nossas crianças tão pouco bem servidas de material escolar e académico.
Não, hoje não vou abordar nada que se possa definir como uma análise político ou social – apesar de que haverá muito para falar, nomeadamente, sob as polémicas com as inscrições dos partidos e coligações políticas para o pleito eleitoral do próximo dia 31 de Agosto; haveria, mas isso fica para os editores e excelentes jornalistas deste órgão de informação.
Hoje, se me permitem, vou abalroar a nossa substancial e anacrónica subserviência e dependência aos modernos meios tecnológicos.
Há muito que o meu portátil precisava de ser limpo, relimpo e de ter o algodão como prova da sua limpeza. Desde que o comprei, e já lá vão uns bons anos, que é a minha mão direita e esquerda e, por vezes e em alguns casos, até deixo que pense por mim, nomeadamente quanto à escolha de algumas palavras. É mais fácil, é mais rápido e menos pesado que aqueles calhamaços a que chamamos de dicionários.
Mas para que fosse limpo eu ficaria sem a minha ferramenta de apoio. Por isso mandei limpar e recuperar um antigo que andava pelos cantos do esquecimento do meu escritório e mandei pus o meu habitual a ser tratado devidamente em mãos de quem sabe.
Felizmente deverá ficar pronto a meio desta semana (ou seja, nesta altura já o devo ter outra vez a descansar e pronto a laborar em cima da minha secretária); o que nunca pensei que essa separação seria quase tão traumática.
E porquê? Porque o velhinho portátil de substituição faz lembrar um belo e nostálgico 4L, algures dos anos 60, que se move a gasolina, nos planos e carece de “cavalos” suplentes quando tem de subir uma rampa. Ou seja, pensa, lenta, lenterrimamente, deixando o utilizador às portas de uma profunda crise nervosa.
Parece que tudo ao seu redor anda mais depressa do que ele. E eu que gosto de enviar o texto bem atempadamente para esta casa. Um qualquer programa informático, ou mesmo a escrever estas linhas demora mais tempo do que ir de Luanda a Cabo Ledo, tomar um belo banho, debicar alguns mariscos e saciar com uma bela e fresca cerveja nacional.
Tal é a inusitada lentidão. Tão lento, tão lento, que para escrever este texto tive de o escrever primeiro à mão num bloco, algo que já não fazia à bué de tempo, embora pense e continue a defender que esta é a forma mais correcta de escrever. Voltava ao tempo das ardósias e das sebentas.
Ou, talvez, os argutos espíritos angolanos me tenham recordado que a dependência das tecnologias não é nada salutar. Talvez seja um aviso para voltar aos meus tempos da academia quando tudo o que escrevia fazia-o num bloco e, só depois, transpunha para o computador.
É que dizem os especialistas, escrever primeiro à mão, ou seja, manuscrever, desenvolve melhor as capacidades cognitivas de um ser humano. E quando vamos para kotas, mesmo kotas, há que não deixar essas capacidades serem minoradas.
Pois, seja então, voltemos às ardósias, mas por prazer!
Publicado no Novo Jornal, edição 232, de 29.Jun.2012, página 23