Mas, comecemos por esclarecer um facto importante: não existe um ilogismo denominado BRICS.
Na realidade, o acrónimo BRIC foi uma criação da economista, de ascendência indiana, Roopa Purushothaman, e publicado por Jim O’ Neili, um economista do banco norte-americano Goldman Sachs, através de um texto/estudo, de 2001, denominado “Building Better Global Economic BRICs” onde analisava os economicamente emergentes países Brasil, Rússia, Índia e China, na linha do que, nas décadas de 1960 a 1990, emergiram os “Tigres Asiáticos” – ou os “4 Dragões Asiáticos” – no caso, a Coreia do Sul, Hong-Kong, Singapura e Taiwan.
Se no caso dos Tigres Asiáticos o que imperava era o desenvolvimento de países pouco mais que desenvolvidos, mas emergentes e com o apoio do dólar norte-americanos (US$) – excepto a Coreia do Sul, cuja moeda é o “won”, mas indexada ao US$, todos os restantes são dólares desses países e, também eles indexados ao US$ – como, no início, no caso dos BRIC.
De notar que num “paper” de 2005, também editado pela Goldman Sachs e intitulado “How Solid are the BRICs?”, era questionado até onde iria a capacidade influenciadora dos BRIC sobre os EUA e como iriam cooperar com a União Europeia e acrescentava o artigo que, México e Coreia do Sul, bem como Turquia, Indonésia e Nigéria poderiam serem incluídos nesta nova plataforma político-económica. Todavia, México e Coreia do Sul acabaram por ficarem descartados, visto já serem economicamente desenvolvidos e pertencerem a uma associação económica, no caso a OCDE.
Mais tarde, e porque muitos economistas norte-americanos admitiam que um próximo BRIC poderia surgir em África, dado o então está de desenvolvimento político e económico que perpassava pelo continente, a África do Sul solicitou, em 2010 a admissão ao BRIC, o que veio a acontecer, nesse mesmo ano, em Dezembro, e após convite formal da China, e aceite pelos restantes Estados-membros. Surgia o BRICS, com a entrada da South Africa.
Segundo alguns analistas económicos internacionais, nomeadamente, norte-americanos, à época, o continente africano já se equivalia, economicamente e em termos de PIB, ao Brasil e à Rússia, e melhor que a Índia, pelo que fazia sentido a entrada da África do Sul nos BRIC e por duas fortes razões: os sul-africanos eram o “pórtico” de entrada credível para o Continente Africano pelos BRIC, em geral, e porque a China tinha excelentes relações com muitos países africanos, nomeadamente, com Pretória, o que foi considerado por alguns analistas económicos e de países emergentes, como o sul-africano, Martyn Davies, da Deloitte Alchemy School of Management, como uma medida inteligente e engenhosa de Pequim em ter acolhido a proposta sul-africana e ter sido o proponente, visando a sua afirmação no Continente.
Apesar de, e como já referi no início, não existir, formalmente, ao contrário de uma OCDE, de um P-11, de uma ASEAN, um grupo político-económico denominado BRICS, para maior facilidade e para me referir aos países que o compõem, neste pequeno ensaio vou adoptar este acrónimo.
Sublinhe-se, entretanto, que a base que norteia os BRICS não está na criação de uma associação ou bloco económico, como estas que já referi, mas de ser um grupo de países que procurariam, pela sua exuberância económica e política, ter um maior impacto na geopolítica mundial, em particular, visavam a transformação do sistema unipolar em uma nova ordem multipolar; por outro lado, outro principal foco dos BRIC – e mais tarde, BRICS – era que as relações dentro do “grupo” se pautassem em princípios de não interferência, igualdade e benefício mútuo; e continua a ser, apesar de algumas tentativas em alterar esse rumo e esse status quo, pelo Brasil, mais concretamente, por Lula da Silva-
Mas, há factos, que, sobre o BRICS, já se podem começar a extrapolar e, pelo que alguns dos participantes – directos, convidados e auto-convidados – já começam a apresentar, nos permitem encetar algumas ilações.
- • se o mote da Cimeira, “o desenvolvimento de África” o objectivo traçado pelo governo de Petrória, se ficou por aqui ou se, como temem os EUA e a União Europeia (UE), a reunião não passou ou não terá passado – e tudo parece encaminhar nesse sentido – de uma reunião onde a formação de uma aliança política capaz de alterar a actual ordem mundial, em particular, o facto de alguns auto-proponentes ao “bloco” serem dos que não votaram contra a invasão russa na Ucrânia, poderem influenciar nesse sentido;
- a não presença de Putin na Cimeira, não deixa de retirar um certo impacto;
- o mesmo impacto que o “bloco” BRICS desejava ter e apresentar, principalmente, por parte do Brasil e, de certa forma, também pela Rússia, mais que dos outros, em especial, no que se refere à relações comerciais entre os Estados-membros, no que tange à criação de uma moeda única;
- a procura de alguns países em serem Estado-membros, porque consideram, erradamente, que os BRICS são um grupo de pressão política e económica face às grandes potências mundiais, como os EUA e a União Europeia, e financeiras, como o Banco Mundial e o FMI;
- finalmente, ver o que conseguirá o Brasil – à parte de já deter o chamado banco dos BRICS, o “Novo Banco de Desenvolvimento” – levar por diante a tentativa de criação de uma moeda única visando a desdolarização do sistema (sobre isto proponho-vos que leiam o meu ensaio publicado no Figuras & Negócios, creio que na edição 219, de Abril passado, sob o títuolo «O mito da desdolarização e a ascensão das moedas pequenas a moedas-padrão» onde explico como a desdolarização é impossível e não interessa à China, como adiante volto a referir).
Nem a China, nem o Brasil, nem mesmo a Índia lhes interessa isso. Qualquer um destes países sabe que haveria sempre quem desejasse impor nova regras mais adequadas às suas necessidades. Daí que nem o G 20 nem os Não Alinhados mostraram ser o mais apropriado às actuais convergência políticas. Cada um dos “novos” candidatos variariam as agulhas políticas e económicas conforme os interesses que estiverem instalados nas respectivas capitais.
Recordemos que a linha e o objectivo primários dos BRICS é tere sido criados com uma finalidade e é essa que a China deseja manter: bater o pé aos países mais desenvolvidos do Ocidente e mostrar que pode haver comércio mais justo ou, pelo menos, menos dependente das directrizes de um FMI, dos EUA ou de uma qualquer União Europeia.
Depois vem o problema da tão propalada moeda única nos BRICS.
Como mostrarei essa é uma vontade brasileira, e talvez, russa, que não tem pernas para andar. A China, tal como a Índia, não estão interessados numa moeda única.
Os principais países, preferem a actual situação: transacções intra-económicas operadas pelas respectivas divisas, tal como descrevo, sintetizando: Pequim exporta produto X para o Brasil e aceita pagamento em Real, porque sabe que o Brasil vai exportar o produto Y para a China e esta pagará em Reminidi (penso que não escrevi mal), ou seja, pode-se dizer, há um encontro de contas, dado que, na práticas, as respectivas divisas não saem dos concernentes bancos emissores.
Mas a China não está, também, e ao contrário do que muitos pensam e conjecturam, em desdolarizar, totalmente, o sistema financeiro. E por uma razão muito simples: a China é o maior credor financeiro – dívidas e bonds ou Bilhetes de Tesouro – dos EUA.
É certo que alguns desejariam que o US$ enfraquecesse, em particular de alguns dos tais candidatos a candidatos, porque assim, torneariam as sanções que os EUA lhes impões, casos da Venezuela, Irão ou Cuba; qualquer país sabe que o US$ é controlado pelo tesouro norte-americano,
Ora uma crise económica provocada pelos BRICS sobre o US$ poderia, sem dúvida, “destruir” a economia norte-americana, mas também destruiria a periclitante e pouco sustentada economia chinesa – ao contrário das expectativas do Governo de Xi Jiping, a economia chinesa está a crescer muito aquém do expectável e do previsto no seu Orçamento de Estado – e nenhum deles o desejam.
Também a Índia, não lhe interessa em “arruinar” a estável “união” que a rupia, divisa indiana, mantém com a Libra esterlina – não esquecer, ou assinalar, que Mumbai, principalmente, é o maior centro “Help Desk” da banca inglesa, entre outros –; e colocar em causa esta estabilidade financeira, era quase enfraquecer um país que deseja se manter forte política, económica e financeiramente – e militarmente – face ao Paquistão e ao seu parceiro dos BRICS, a China, com quem, a espaços temporais, vai tendo desencontros militares nas mútuas fronteiras.
Finalmente, e sobre a inviabilidade da moeda única, está, também, no facto dos sul-africanos desejarem criar uma moeda única para a SADC. Uma moeda dos BRICS condicionaria, desde logo, essa pretensão. Há países da SADC que não desejam manter “boas” relações económicas com a China ou com a Rússia…
Sobre a pretensão de alguns países em aderirem ao BRICS há condicionantes que não devem ser esquecidos. Mas deixo só um: algum analista acredita que Argentina e Uruguai aceitariam ver as suas políticas económicas e financeiras determinadas por Brasília? É claro que não! Basta ver como o Mercosul continua a navegar em bolina, tais os ventos pouco favoráveis e o facto de o Brasil continuar a determinar as relações com a UE, ficando os restantes países plano menor, como, de certa forma, sublinha o académico e investigador Milton Bragatti, nas reflexões sobre a periclitante integração regional na área do boné sul da América Latina.
Daí que, salvo algum passo de mágica extremo, não vejo que da 15ª Cimeira saia outro comunicado que não seja, reafirmar os princípios do BRICS e a vontade enorme destes em acelerar as relações com os países africanos, ajudando-os no eu crescimento económico e no seu autonomismo político e militar face aos EUA, à França e à UE.
No restante… no restante, e “plagiando” um recente texto de Ricardo Bordalo, no portal do Novo Jornal, os BRICS “já são um desafio cintilante para o Ocidente, personificado no G7 – EUA, Reino Unido, França Alemanha, Itália, Canadá e Japão”, pelo que o futuro deverá ser, por enquanto, o vigente…
Publicado na edição 800, de 25.e Ago.2023, do Novo Jornal, e posto online em 30.Ago.2023