NJ860 20241025 Mocambique e pos eleitoral

As eleições gerais moçambicanas, realizadas recentemente, em 9 de Outubro de 2023,e que iriam eleger o novo presidente da República, membros das assembleias provinciais, os novos deputados da Assembleia da República e os Governadores provinciais, têm sido marcadas por um cenário intenso de contestações e críticas que evidenciam a clara fragilidade da democracia no país.
Moçambique, com um histórico de tensões políticas e sociais, a realização do pleito atraiu a atenção de cidadãos e observadores internacionais, os quais esperavam um processo eleitoral mais transparente e justo. No entanto, a polarização política e as denúncias de irregularidades têm manchado o evento, trazendo à colação questões prementes sobre a legitimidade do, deste, ancien régime – de quase 50 anos – e as gritantes vozes de uma nova oposição.
Um dos elementos centrais do clima de tensão foi o assassinato de dois mandatários do partido PODEMOS, Elvino Dias e Paulo Guambe, próximos do candidato presidencial Venâncio Mondlane, um dos líderes da oposição. Mondlane não apenas denunciou esses assassinatos como tentativas da FRELIMO, partido no poder desde a independência, de intimidar a oposição, mas também afirmou que poderá possuir provas de que ganhou o pleito eleitoral. Estas declarações de Mondlane resultam em levantamento de suspeitas sobre a legitimidade dos resultados parciais apresentados até então – os mesmo devem ter sido apresentados na quinta-feira, 24 de Outubro –, o que tem suscitado um ambiente volátil e tenso entre seus apoiantes.
As acusações de fraude eleitoral, que, de certa forma, já eram esperadas como parte de um habitual cenário precedente, ganharam força à medida que diversos relatos de cidadãos e observadores indicavam irregularidades no processo de votação. Mordomias nas cédulas eleitorais, dificuldades para o acesso tanto dos opositores, como de observadores internacionais devidamente habilitados, aos locais de voto e até mesmo intimidações parece ter se manifestado em várias regiões do país. Para muitos cidadãos, essas práticas não são novas e refletem uma cultura de impunidade que permeia a política moçambicana. A FRELIMO, com um histórico consolidado de poder, enfrentou – e continua a enfrentar –, mais uma vez, críticas por sua postura autoritária. Até dentro do partido há vozes que se elevam nesse sentido. Graça Machel, foi uma delas, em declarações recentes.
A resposta da sociedade civil a esses acontecimentos foi a prevista. Manifestações contra os resultados parciais começaram a despontar em várias cidades, com milhares de pessoas se reunindo para expressar sua insatisfação. A vozearia por um desfecho justo e transparente compôs o tom dos protestos quer pré-eleitorais, quer nos dias subsequentes ao acto eleitoral, sendo evidente que muitos cidadãos estavam cansados tantodas promessas não cumpridas – por qualquer dos “antigos partidos parlamentares” como da deterioração . e cada vez mais evidente nos tempos mais recentes – que geralmente tem marcado as relações entre o Governo, a FRELIMO e a população. A exigência de uma nova forma de política, que priorizasse a dignidade e os direitos do indivíduo, ecoava em cada esquina.
Só que as divulgações dos resultados parciais das eleições apresentam um quadro preocupante. A FRELIMO, segundo estas amostras, parece ter alcançado vitórias em todas as províncias, o que poderia não surpreender, considerando a sua dominância política na história do país, se aos mesmos não estivesse a ser questionada a transparência dos actos eleitorais. O candidato presidencial Daniel Chapo, da FRELIMO, de certa forma e com estas divulgações, está a ser declarado vencedor num cenário que muitos consideram manipulado. A desilusão é palpável, especialmente entre os cidadãos que esperavam uma alternativa sólida na oposição.
A isto acresce a manifesta incapacidade da RENAMO de ter conquistado o apoio desejado pelos seus militantes, junto com os maus resultados do seu candidato Ossufo Momade – cuja campanha muitas vezes parecia pautar pela negligência –, o que só acrescenta ao sentimento de impotência que muitos moçambicanos experimentam.
A RENAMO, que ao longo dos anos procurou se estabelecer como uma força de oposição viável, passa, agora, a enfrentar desafios significativos. Os resultados para este partido foram bastante aquém do esperado, o que poderá levar, quase que de certeza, a uma crise interna de liderança e direção. A capacidade da RENAMO de se redinamizar e se conectar com as necessidades do seu eleitorado é agora uma questão premente em um cenário onde a FRELIMO continua a dominar. Para muitos, Momade não conseguiu estabelecer uma imagem forte o suficiente para galvanizar os que desejam mudança e reformulação no panorama político.
E desta incapacidade – ou descuido – poderá ter ganho um partido que era extra-parlamentar, o PODEMOS, e o seu candidato, Venâncio Mondlane.
Também o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), até agora a terceira força política parlamentar moçambicana, ainda que, parece, tardiamente – ou estava a ver como todos se posicionavam – começou a se mostrar muito crítica quantos aos resultados parciais apresentados e, por exemplo, exige a nulidade do processo de votação em toda a província da Zambézia, no centro do país, invocando que actos “ilícitos foram notificados em Namarroi, em Mocuba, na Maganja da Costa, no Alto-Molocue em Quelimane, em suma em todos os distritos”, pelo que consideram que deve ser anulada a eleição na província da Zambézia.
Por essa razão tudo parece indicar que Moçambique se vê numa difícil encruzilhada. A luta por um processo eleitoral legítimo e por uma política que represente verdadeiramente a vontade do povo continuará a ser um desafio monumental.
O papel da comunidade internacional está, poderá, tornar-se extremamente crucial, pois a pressão externa pode contribuir para evitar que “alguém” – a recente violência policial ocorridos em Maputo, contra as manifestações pró-Mondlane e pela verdade eleitoral, podem ter vindo de qualquer lufar: Governo, militantes radicais da FRELIMO com capacidade para tal, da Direcção da Polícia, de qualquer lado – recorra a medidas ainda mais repressivas. Organizações de direitos humanos e observadores eleitorais principalmente os observadores internacionais, em particular os da União Europeia que financia o combate aos insurrectos em Cabo Delgado, têm, ou deveriam ter, a capacidade de influenciar o cenário político, instigando diálogos que possam conduzir a um ambiente mais justo.
Também a CPLP deveria estar bem mais activa nesta questão. Depois da sua missão de observação louvado a campanha eleitoral que considerou ter decorrido em ambiente pacífico e exemplar, constacta-se que a CPLP, tando sobre as acusações às eventuais fraudes, como sobre os recentes acontecimentos ,pouco ou nada se tem enunciado. Até agora, quem se pronunciou, e de forma bem cáustica, foi o líder da missão de observação da CPLP, o Prof João Gomes Cravinho que, em declarações à RTP, «vê com preocupação as "múltiplas irregularidades" nas eleições em Moçambique e que os assassinatos têm motivações políticas»
O cenário político que se demarca traz à tona a necessidade de um compromisso renovado com a democracia. Contudo, essa mudança só se dará se houver um engajamento genuíno das partes, um reconhecimento da necessidade de um sistema eleitoral justo e transparente, e, como observa Mia Couto, uma disposição de todas as partes para dialogar. As vozes da oposição e da sociedade civil precisam ser não apenas escutadas, mas também valorizadas como partes essenciais de um Moçambique democrático. E, voltando a Mia Couto, o país está cansado de conflitos.
Em suma, estas eleições de 9 de Outubro de 2023 em Moçambique (re)abriram novas feridas nas relações entre governo e sociedade. As acusações de fraude eleitoral, os assassinatos de membros da oposição, a repressão das manifestações e os resultados parciais que consolidam a FRELIMO no poder tornam evidente que o caminho recorrente da política moçambicana está repleto de desafios. Contudo, o desejo de mudança persiste na população que clama por dignidade, justiça e verdade. O futuro político do país repousa sobre a capacidade de diálogo e compromisso, não apenas entre os partidos, mas também entre e com os cidadãos que anseiam por uma transformação verdadeira em sua realidade social e política.
Até que a CNE moçambicana se mostre neutra – seja lá isso o que for, nas actuais circunstâncias – sobre os actos eleitorais , só se poderá dizer quo vadis Moçambique? Quo vadis Democracia?…

Publicado no semanário Novo Jornal, ed. 860, de 25.Outubro.2024, pág. 13
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