A reunião preparatória do G8 (grupo dos sete países mais industrializados, acompanhados da Rússia) que ocorreu este fim-de-semana, acordou num perdão total da dívida de 18 países afro-latino-americanos num montante que ascende a cerca de 14 mil milhões, segundo uns, 40 mil milhões de Euros, de acordo com outras fontes, que deverá ser sancionado na reunião de 6 e 7 de Julho.
Os 18 países, Benin, Burkina Faso, Etiópia, Gana, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Moçambique Níger, Ruanda, Senegal, Tanzânia, Uganda e Zâmbia, no continente africano, e os latino-americanos Bolívia, Guiana, Honduras e Nicarágua, considerados dos mais pobres do Mundo, só deverão obter o referido perdão devido a um acordo histórico entre britânicos (os principais defensores desse perdão, nomeadamente o Chanceler do Tesouro inglês, Gordon Brown, preconizador de um plano Marshall para África) e os norte-americanos.
Ora, acontece que os restantes 6 países estão reticentes quanto ao perdão. Questionam as verdadeiras razões do perdão da dívida. E porque só estes 18 quando, em todo o Mundo, existem cerca de 62 países a necessitarem de um perdão total ou quase da sua dívida.
E porquê?
Porque o perdão assenta num parâmetro que tem tanto de interessante, quanto de intrigante, na cena internacional: ou seja, os países obrigam-se a terem um programa de combate à corrupção e estarem bem encaminhados para uma democracia tipicamente ocidental – no pressuposto que a Ciência Política já tenham caracterizado algum outro tipo de Democracia que não seja aquela que está tipificada nas correntes heleno-latinas: Demo (Povo) Cracia (Poder).
Ora, se Moçambique, Gana, Senegal e Tanzânia apresentam planos e condições para cumprirem os requisitos anglo-americanos – mais destes que daqueles – já os restantes deixam muitas dúvidas quanto à exequibilidade do programa; e isto se o tiverem.
Mauritânia, é um dos mais corruptos e autocráticos Estados africanos; Bolívia, na América do Sul, está em ebulição, tendo o seu presidente sido obrigado a demitir-se por corrupção e apetência para o poder, com os militares na berlinda a pedirem aos políticos uma “trégua” e não provocarem “suicídio nacional”; Etiópia, Ruanda, Níger e Uganda, no continente africano, são alguns dos países onde a corrupção é clara e o poder, na prática, detido pelas forças castrenses; Zâmbia, a par do Zimbabué, está entre os países acusados pela Comunicação Social africana de manter uma corrupção latente e uma preponderância de servilismo político.
Além de tudo mais, já se fala que numa próxima fase serão mais alguns Estados a beneficiarem deste perdão. Entre eles, Guiné-Bissau, Chade, Camarões, Costa do Marfim, Malawi e, paradoxos dos paradoxos – ou, uma vez mais, talvez não – a República Democrática do Congo e o Iémen.
E depois que tipo de dívida vai ser anulada?
Só a pública ou também a privada?
E na pública, só a soberana ou inclui a das empresas públicas?
E os juros da dívidas. Também estão contemplados no perdão?
Por outro lado, os anglo-americanos não dizem que a dívida é só aquela que pertence aos 8. Pelo contrário, anunciaram que o perdão incluía todas as dívidas caucionadas pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – vulgo Banco Mundial (BM).
Mas que dívida, ou dívidas, está caucionada por estas Instituições. Na prática quase todas, ou mesmo todas.
Neste último caso Portugal poderá ser um dos eventuais prejudicados. Só com a dívida da Cahora Bassa – que penso está registada como uma das rubricas do FMI que agrupa a dívida do Estado- irá perder qualquer coisa como 2,5 mil milhões de euros.
Com o défice como está, quem irá pagar esse perdão?
Não serão só os nacionais. Os migrantes, legalizados, ou não, também contribuem – e de que maneira – para manter as finanças públicas portuguesas minimamente equilibradas.
A parte, em itálica, que a seguir se transcreve, não pode por razões editoriais e de espaço, ser publicada. Na prática também não retirou qualquer sentido ao texto. De qualquer forma deixo aqui a parte seccionada.
Mas não é só Portugal, de per si, que estará sobre pressão. A Europa, com os problemas financeiros que se perspectivam, nomeadamente desde os “nãos” franco-holandês, aliada a uma continuada depreciação do Euro irá sentir, também, os efeitos desse perdão.
Bom, se a tudo isto juntarmos uma dívida mundial dos países “não-desenvolvidos” que ascende aos 188 mil milhões de euros, e se os que vão ver perdoada a dívida não ultrapassa pouco mais de 15% da dívida global, alguém deve estar a sentir orelhas a arder e as suas Finanças públicas a se evaporarem.
Ou seja, alguém irá – está – á a pagar o preço do esforço de guerra no Iraque.
E quem lá está em força?
E depois do perdão que contrapartidas exigirão o G8 pelo seu “acto de caridade”? Como diz o povo, nada se dá, tudo se recicla.
Publicado no suplemento de Negócios/Opinião. do "Jornal de Notícias", de 20.Jun.2005