(entrevista de Orlando Castro, para o Jornal de Notícias)
[Jornal de Notícias] Acredita que África está, ou volta a estar, na moda em Portugal?
[Eugénio Costa Almeida] Sim! Essa é a ideia que eu, ultimamente, venho a constatar. Começa a sentir-se uma maior abertura da classe política e social portuguesa para as questões africanas. Não só às que à Lusofonia dizem respeito, mas a toda a África em geral. O triste caso de Darfur, no Sudão, infelizmente ainda não resolvido e que parece começar a estar no esquecimento internacional, nomeadamente nos Media; os atentados no Egipto; a questão relacionada com a livre circulação de africanos entre África e Europa - e esta ser cada vez mais uma fortaleza - com particular destaque para a crise que aconteceu nos enclaves espanhóis de Marrocos (sei que politicamente não será correcta esta minha afirmação; mas é uma verdade indesmentível que os espanhóis e a Europa não podem continuar a escamotear); isto a nível global. A nível da Lusofonia, relembremos como tem sido tratada a questão guineense, a euforia da conquista de Angola de um lugar no areópago mundial que vai ser o "Alemanha 2006" ou as últimas - e infelizmente pouco oportunas, enquanto governantes - afirmações dos dois principais responsáveis da política externa portuguesa na altura emque Angola comemorava 30 anos de independência.
[JN] Mas a questão africana estará somente na ordem do dia da Comunicação Social e dos governos?
[ECA] Não. Em contra-ponto às palavras dos governantes - a maioria ocas ou sem sentido prático, exceptuando, talvez as que foram proferidas aquando da assinatura do Protocolo que irá permitir retornar Cahora Bassa a Moçambique, relembremos as palavras e as atitudes de Américo Amorim ou de Paulo Teixeira Pinto em que defendem que África, e sobretudo Angola, seriam uma enorme oportunidade para as empresas portuguesas, contrariando aqueles que vêem Espanha como o maná nacional.
[JN] A sua obra foi concebida no pressuposto de que em Portugal ainda é grande a ignorância sobre África?
[ECA] Não sei se será uma questão de ignorância ou de um lascivo e habitual portuguesístico "deixa andar". A situação económica portuguesa e a pouca apetência para a leitura, talvez contribuam para essa eventual ignorância. Seja como for, é certo que a problemática africana começa a ser um "case study" em Portugal. As universidades começam a leccionar e a criar disciplinas claramente vocacionadas para estudos africanos; surgem revistas vocacionadas de e sobre a temática africana (embora, e normalmente, de existência muito curta), bem como obras e estudos literários, mas que são pouco publicitados.
[JN] Mas autores como Mia Couto, Pepetela, José Eduardo Agualusa são referências?
[ECA] Sim. E quantos mais? E aqueles que, por esta ou aquela razão, pouco ou nada são conhecidos em Portugal, e, no entanto, alguns têm algumas das suas obras cá editadas. Lembro-me de Carlos Pacheco, Jaka Jamba, Luandino Vieira, António Cardoso, José e João Craveirinha, Carlos Lopes, Manuel Lopes, Corsino Fortes, Fidalgo Preto, Malé Madeçu e Natasha Lueje. Isto só para citar alguns.
[JN] Também aborda o fundamentalismo islâmico...
[ECA] Relativamente pouco. Não é que a questão seja menor ou que África esteja livre desta problemática. Pelo contrário. Os recentes actos terroristas ocorridos em África, o caso Darfur, são provas inequívocas que o fundamentalismo islâmico também está em África. Esse foi um tema que desenvolvi num livro anterior ("Fundamentalismo Islâmico A Ideologia e o Estado") e que por isso neste á abordado de forme mais curta.
[JN] Este livro pretende servir quem tem África como referência de afecto, de estudo ou ambas. É assim?
[ECA] Confirmo. A receptividade que o mesmo teve está entre aqueles que vêem África não como um continente perdido mas como um continente de oportunidades. Veja-se o apoio e a defesa que tem merecido de individualidades como Bono ou Bob Geldolf - o que muito agradecemos - mas que é sempre muito pouco para aquilo que África tem dado aos grandes blocos políticos e económicos e cujos retornos são poucos ou quase nulos. Há certos sectores que ainda vêem África como o "celeiro" das matérias-primas e não como um continente capaz de as transformar. Felizmente, e principalmente, entre os nossos dirigentes, essa mentalidade começa, gradualmente, a mudar. Algumas empresas e alguns investimentos começam a ser canalizados para África não no sentido de obter, rapidamente, os respectivos dividendos, mas como o princípio de reinvestimento quer na matéria-prima original (chamemos assim) quer, e aí sim, naquela que é a mais importante de África a sua população. Daí que o presidente do principal grupo bancário privado português tenha afirmado que Angola deve ser prioridade do investimento português. Daí que África começa a ser vista como continente de futuro e os grandes empórios internacionais, sozinhos ou em grupo, estejam a investir forte em alguns países africanos que começam a ter rácios de produtividade e de desenvolvimento só semelhantes à China e à Europa dos anos 80.
Publicado no “Jornal de Notícias”, 17.Dez.2005, pág. 24